Aquela tinha sido uma época de profunda escuridão para o povo de Deus.
Com Jerusalém em ruínas, o
Templo destruído e a maioria do povo exilado na Babilônia, parecia não
haver esperança para tal situação. Deus, porém, fez o impossível.
Babilônia caiu e o novo superpoder da Medo-Pérsia permitiu que o povo de
Deus retornasse ao lar – a Terra Prometida – em um segundo êxodo. O
Senhor “despertou o espírito de Ciro” (Ed 1:1),* o rei persa. E
quando Deus move um coração, quem pode deixar de
responder?Início Difícil
Com base em documentos extrabíblicos,
listas de nomes, selos e outras inscrições, estudiosos calculam que as
aproximadamente 50 mil pessoas (Ed 2:64) que retornaram com Zorobabel
representavam somente um pequeno número dos judeus que então viviam no
Império Medo-Persa.1 Muitos estavam estabelecidos e não queriam mudar-se
de lá. As prestações de suas casas já estavam quase completamente
quitadas. A vida sob o novo governo era boa, seus filhos
podiam frequentar ótimas universidades, e o que poderiam esperar
encontrar se eles retornassem? Uma cidade destruída, campos abandonados,
vizinhos não amigáveis e um lugar perigoso localizado na borda do
império entre o Egito e a Mesopotâmia.
Quando lemos os primeiros capítulos do
livro de Esdras, reconhecemos imediatamente a grandeza da tarefa e os
muitos problemas (veja Ed 3-7).
Contudo, um olhar mais atento sobre a
questão revela que o problema era maior do que uma cidade destruída e
a grande oposição vinda de fora. O profeta Ageu diz que os que estavam
retornando tinham um problema espiritual: eles tinham prioridades
distorcidas, mundanismo, egoísmo – e logo tiveram que reconhecer que, se
não pusessem o mais importante em primeiro lugar, seus esforços seriam
em vão (Ag 1:2-11).
Neemias entra em cena
A Bíblia narra que o Templo foi por fim
reconstruído cerca de 20 anos após o retorno do exílio e que a
comunidade judaica comemorou sua primeira Páscoa (Ed 6:13-22). A partir
de então, contudo, há um silêncio de muitas décadas. Saltamos para o ano
445 a.C., aproximadamente 70 anos depois da reconstrução do Templo, e
Jerusalém enfrenta dificuldades. Neemias, um oficial de alto escalão da
corte persa, recebe as más notícias sobre Jerusalém, e em uma das
grandes orações da Bíblia, apresenta ao Senhor sua angústia (Ne 1:1-11).
Ele confessa seus pecados e os do povo, mas também clama pelas
promessas divinas de renovação e transformação (versos 8, 9). Enquanto
ora, reconhece que ele não é apenas parte do problema (veja
sua confissão), mas necessita ser também parte da solução de Deus.
Ainda em oração, com coração temeroso e
joelhos trêmulos, Neemias se dirige a seu chefe, que é inclusive um
monarca absoluto cujo simples ato ou palavra é suficiente para
exterminar a vida de alguém em um instante. Deus opera outro milagre e
Neemias deixa a Pérsia, ocupando um cargo oficial do governo, com poder
outorgado pelo rei persa. Com esse apoio, tem o que necessita para fazer
as coisas acontecerem.
Reavivamento em Jerusalém
Jerusalém está desprotegida, seus muros
destruídos e abandonados, seus vizinhos hostis zombando dela. Neemias
inspeciona as ruínas em uma operação secreta noturna (Ne 2:11-16) e
então começa a trabalhar. Contudo, percebe que essa grande obra requer
uma comunidade e, ao descrever para a corte persa a bênção recebida
pouco antes, Neemias convida os líderes para que se unam à grande obra
de reconstrução dos muros de Jerusalém (Ne 2:17-20).
Você sabe como era a determinação de
Neemias. Nada e ninguém vai impedi-lo; e, para a glória de Deus,
os muros de Jerusalém foram reconstruídos em tempo recorde (veja Ne 3,
4, 6, 7). Mas reavivamento e reforma não se tratam somente de ação. É
necessário voltar aos fundamentos. Ao continuarmos na leitura da
história de Neemias, testemunhamos uma grande assembléia pública em
Jerusalém durante o sétimo mês.2 Esdras, o sacerdote, reaparece na
história e lê a Torá, a lei, muito provavelmente o Pentateuco (Ne
8:1-3), revezando com outros levitas. Todos ouvem por horas –
a capacidade de concentração devia ser maior naqueles tempos.
Uma das palavras-chave desse encontro de reavivamento é entender, que aparece seis vezes (8:2, 3, 7, 8, 9, 12) ao longo do capítulo. Homens e mulheres, jovens e idosos entenderam
que sua vida não estava em harmonia com a Palavra de Deus. Eles
choraram e lamentaram tanto (Ne 8:9) que Esdras e Neemias precisaram
relembrá-los sobre o poder da graça de Deus. Neemias enfatizou que a
alegria do Senhor era sua força (Ne 8:10), assim como é nossa também.
O Que Podemos Aprender?
Algo importante aconteceu naquele dia em
Jerusalém: naquele reavivamento as pessoas perceberam que Deus e
o pecado não andam juntos; e isso resultou também em relações
transformadas entre os membros da comunidade pós-exílica. Estas são
algumas lições que podemos extrair do reavivamento de Neemias:
1. O reavivamento não é um evento que
acontece uma só vez, mas é uma decisão constante e consciente. Lemos a
respeito de outros reavivamentos na comunidade pós-exílica (ex. Ed 3 e
10), e antes disso temos muitos exemplos de reavivamento em épocas
anteriores. O reavivamento precisa ser um compromisso diário.
2. O reavivamento deve estar baseado nas
Escrituras, e não em emoções e música de fundo adequada ou dinâmica de
grupo. Quando o povo de Deus se depara face a face com a
revelação divina, olha no espelho da Palavra de Deus e reconhece quem
realmente é (sim, somos pecadores), o reavivamento acontece.
3. O reavivamento entre o povo de Deus
envolve uma comunidade: homens e mulheres, jovens e velhos, ricos e
pobres – todos se uniram para ouvir a Palavra – e responderam
como comunidade. Mesmo que seja verdade que o reavivamento pessoal é um
compromisso diário, há momentos-chave na vida de uma igreja em que a
força propulsora do reavivamento pessoal é o que leva ao reavivamento do
grupo.
4. O reavivamento não está focado no
líder. Sim, Neemias e Esdras foram líderes fortes e se importaram
muito com Jerusalém e seus problemas. Mas conseguiram ir adiante somente
quando os outros entenderam e assumiram o mesmo propósito. Eles
conduziram, mas não geraram o reavivamento.
5. O reavivamento tem uma visão ampla e
evita distrações externas. Tenho certeza de que os inimigos de
Jerusalém queriam que a cidade se concentrasse em seus problemas. No
entanto, em vez disso, a comunidade de fé dirigiu sua atenção à Palavra
de Deus e à Sua mensagem para aquele momento.
Restaura-nos, ó Deus!
Você sente necessidade dessa renovação
pessoal em sua vida espiritual? O seu tempo dedicado às Escrituras e à
oração anda limitado pelos muitos compromissos (por bons que sejam) e
agenda cheia? A história de Neemias, ainda que pessoal, é de grande
alcance. Ele deve ter lido com frequência nos Salmos sobre esse Deus
restaurador: “Restaura-nos ó Deus! Faze resplandecer sobre nós o
Teu rosto, para que sejamos salvos” (Sl 80:3). E Deus realmente fez
resplandecer Seu rosto sobre Seu povo – e está pronto a fazê-lo
novamente.
*Todos os textos bíblicos foram extraídos da Nova Versão Internacional.
Referências
1 Veja Laurie E. Pearce, “New Evidence
for Judeans in Babylonia”, em Judah and the Judeans in the Persian
Period, ed. Oded Lipschits e Manfred Oeming (Winona Lake, IN:
Eisenbrauns, 2006), p. 399-412, e a bibliografia complementar lá
presente.
2 O mês sétimo do Antigo Testamento, que
corresponde a setembro/outubro do nosso calendário, é importante no
sistema religioso judaico. Três eventos significativos acontecem
nesse mês: a Festa das Trombetas (Lv 23:24), o Dia da Expiação (Lv
23:27) e a Festa dos Tabernáculos (Lv 23:34). Trata-se realmente de um
mês de reavivamento e reforma.
Texto de autoria de Gerald A.
Klingbell, editor associado da revista Adventist World. Publicado na
Adventist World de Janeiro/2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário